MONÓLOGO DOS AMOROSOS AO FRIO

— Diz-me.
— Amo-te.
Gretam os lábios.
De vermelho polar se pintam o nariz e as orelhas.
Os pés já não se sentem.
Sempre em busca de abrigo.
Não há abrigo algum nos olhares dos outros.
— Diz-me.
— Amo-te.
— Abraça-me.
No abraço não cabem os olhares dos outros, e por isso o invejam.
Já não se sentem as pernas, já mal se sentem as mãos.
A saliva dos beijos congela no ar.
Nunca mais o sol nasce.
Talvez chova.
Molhar-se-á o frio.
Tantos que dormem agora.



— Diz-me.
— Amo-te.
— Abraça-me.
— Aperta-me.
Conversamos assim.
Tenta-se colher calor das palavras, relembrando um verão que nunca houve nas nossas vidas, mas que ainda pode vir a haver.
Passa um cão.
Os cães são os nossos amigos de infortúnio.
Pensamos o que queremos.
Conversemos mais.
Nunca hei-de ir à lua.
Cansei-me das pedras.
O sol há-de nascer.
Havemos de nos salvar do frio.
Já nada sinto.
Sinto sono.
Não deixo que os olhos se fechem.
O sono não pára de soprar: é o vento.
O vento é o nosso inimigo amigo.
A roupa não chega.
Pensamos o que queremos.
— Diz-me.
— Amo-te.
— Abraça-me.
— Aperta-me.
— Beija-me.
— Diz-me.
Sempre em busca de abrigo.
Passa um cão.
O sol nunca mais nasce.
— Amo-te.