O poeta era um depósito de substâncias que alteravam a consciência.
“Que venham as substância”, proclamava ele, alto e bom som, num antecipado gozo das alquimias íntimas que se avizinhavam. Mas estava a ficar já tão habituado a tudo aquilo que o gozo acabara por se tornar fraco: o seu espírito movia-se agora numa névoa pesada, fosca como certo vidro, com uma memória posterior cheia de lacunas, gordura, banalidades.
Pediu então os vinhos e os licores, que o punham vermelho mas lhe davam alegria. Tratava-se, no entanto, de uma alegria parva e sem discernimento: de repente, maravilha, ele falava e ouviam-no, todos se deixavam seduzir, em comunhão celebravam qualquer coisa indizível, admirável... Mas depois, nas ruas cheias de noite, o poeta tropeçava, caía, o corpo num cansaço de homem fraco, todo aquele brilho a desfazer-se em vómitos.
Assim, desses usos e abusos desiludido, teimou o poeta em outra fantasia: não dormir. E não dormiu um dia, não dormiu dois. Sentado, em pé, a conversar, tinha a impressão de, de vez em quando, estar como que a acordar subitamente. Mas acordado estava ele. O que é que estaria então a dormir?
Não o visitaram os sonhos três dias seguidos.
De tanto abrir os olhos já eles não se fechavam, a não ser quando queriam: desprevenidamente. E sentia o sangue a latejar nas maxilas, no pescoço, ecos de alucinação nos ouvidos. Não pensava sequer no que era o sono. Fumava cigarros, bebia café, tomava autocarros que só tinham a função de o trazerem de volta. Patético. Patético. Ninguém lhe agradecia aquela destruição: diziam-lhe que o queriam apenas como ele era. (Ele respondia: “eu não sou”).