O ESCRITOR
As palavras. Farto delas.
Os livros dos outros. Farto deles.
História de uma família: é preciso ultrapassar a família.
A gramática. A sintaxe. As figuras de estilo.
Palavras a mais: uma diarreia.
História de um homem:o homem esquecido de o ser.
As palavras são fáceis, sabe-se. E quanto menos histórias melhor.
O estatuto do escritor.
Os póstumos do escritor.
Os prémios do escritor.
A gramática. As regras. O vocabulário.
As origens da língua.
Cuidados a ter. Nada de plágios. Nada de burlas. Nada de muitas coisas.
A língua original.
É preciso negociar. Liberdades a explorar.
As canetas preferidas. O papel preferido.
Atenção às modas. Atenção às influências.
Será permitido parar e viver?
Para quando a última palavra?
Nunca mais escrever. Esquecer.
Sempre a escrever — a dizer que é trabalho.
É preciso mudar de álcool.
Será toureiro, aviador, empresário, amante, vagabundo: não basta descrevê-los.
A literatura é retrógrada, fixa os tempos imaginados: os sonhos, a perfeição.
A literatura é falsa: afirma em invenções, enquanto interroga — de mais.

A literatura é um dos males maiores: queremos nós ir mais longe e temos de ficar aqui parados, tempo incerto, até acharmos soluções para os problemas que doidos como eu inventam.
Digo: anda tudo cego. Entretanto, esqueço-me de falar de como ajudo essa cegueira a manter-se.
Anda tudo a correr. O escritor diz: “mais depressa”. E mesmo que diga: “mais devagar”, é ele então que anda a correr.
Que velocidades mais baralhadas!...
Não, não, mais palavras não. As palavras são belas? Não: belo sou eu, beleza é o que eu sinto.
Aprenderei as palavras para escrever menos. Até mesmo para falar menos.
Quero parar. Começo a não sentir. Isto torna-se tão aflitivo como uma falta de ar. Estou sempre a comunicar, estou farto de comunicar.
Leio os livros dos outros?
Bebo?
As palavras não têm valor real.
Andam aviões a largar bombas sobre a nossa cidade.
Bombas de morte na nossa vida. E eu, escritor, que faço? Salvo as mulheres? As crianças? Não.
Num ápice esqueço toda a sabedoria: eis-me a procurar abrigo com os meus preciosos manuscritos debaixo do braço. (Bom, talvez seja essa a nova sabedoria...)
Que monstruosidade, um escritor.
Tem o coração grande de mais, é o que é. Ou então são as pessoas que também não têm valor real. Mas talvez um dia venham a valer.
Um dia, talvez não se justifique, nem por um instante, a existência de todos estes livros.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

best regards, nice info »

9:12 da manhã  

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