O poeta era uma rocha no flanco de uma montanha. Foram lá buscá-lo, trouxeram-no para junto dos homens, esculpiram-no para lhe darem utilidade. Ficou pequeno, fragmentado em dez mil pedaços, que despejaram e amontoaram no chão, ainda mais no meio dos homens.
Veio um calceteiro e do poeta fez passeios. Passeios onde as pessoas passeavam ao fim-de-semana, sem saberem que estavam a pisar um poeta, a cuspir-lhe, a enchê-lo de lixo, tédio, merda de cães de estimação.
Um dia, um miúdo arrancou um olho do poeta do chão, e atirou-o pelo ar. Ouviu-se riso. Era a pedra. Era o poeta. Era o chão todo a rir, e as pessoas a olharem para os pés e umas para as outras, numa grande estranheza.
Entretanto, por baixo, no silêncio da terra, um cano da água estava prestes a rebentar. Iam ter de levantar o passeio, as pessoas iam ficar aborrecidas por lhes estarem a estragar os seus fins-de-semana — e depois, ainda por cima, havia aquele maldito chão, que agora não parava de rir...