São três da manhã, vou a andar pela rua fora já pouco a direito e a meu lado um personagem — “A” fica-lhe a matar — , o “A”, portanto, aí vamos nós na conversa de entreter, à procura de um lugar quente para beber mais um copo e ouvir mais um bocado de música-p’ra-dançar.
Digo eu ao “A”:
— Sou um anjo.
— Hã?
— Sou um anjo — repito.
— Eu sou deus — diz ele no gozo.
— Não acredito em deuses.
— Não acreditar já é pensar.
— Deuses são símbolos.
— E anjos são o quê?
— Tudo é símbolo.
É lixado ir a falar assim tão bem às três da manhã, com a boca seca. Fica-se com a impressão (esquisita) de que nada basta. E depois torna-se ainda mais lixado, porque, no fundo, a ninguém apetece pensar. Nem mesmo a mim. Mas já o disse: falo de mais. Às vezes penso. Sou assim.
Ora, sei lá como é que sou... Alguém sabe? O que vale é que os outros estão sempre a dizer-nos e nós a eles e por aí adiante.