Falaram da morte, mas era da vida que estavam a dizer.
O poeta disse:
“A vida não tem sentido, porque a morte existe. Inventa-se então, por necessidade, esse sentido (apesar da morte), e vive-se por ele, e para ele. Assim, tudo se torna invenção, e essas são, simultaneamente, a tragédia e a comédia fundamentais da condição humana”.
E o poeta disse ainda:
“A morte é uma puta à espera dos seus clientes. Às vezes, quando não consigo acreditar o bastante nas minhas invenções, o que mais me apetece é ir visitá-la. Mas, como sei que é uma visita sem regresso, contenho-me, e rio-me. O riso é um poema, uma filosofia. Por causa dele, a puta não terá de mim esse prazer total que seria o meu voluntariado. Deixarei que o tempo me leve a ela, como é natural. Serei forte”.
E a mulher disse:
“Apetece-me atirar-me ao rio”.
“Para quê?”, perguntou-lhe o poeta. “Não sabes nadar”.
“Por isso mesmo”.
Mas reconsiderou. Disse:
“Apetece-me dar um tiro na cabeça. Será que dói?”
“Dói. Por um segundo”. O poeta acariciou a face da mulher. E acrescentou: “afinal, ainda bem que há dor”.