MULHER BONITA AO ESPELHO

Ainda bem que sou bonita.
Tenho o rosto de um oval perfeito.
Tenho a boca grande, com lábios carnudos, mas bem proporcionada.
Toda eu sou bem proporcionada, aliás.
Tenho os olhos grandes e expressivos.
Tenho o cabelo macio, brilhante e volumoso.
Ainda bem.
Antes bonita que feia.
Antes isso.
É que não tenho mais nada a não ser eu.
Ainda bem que eu sou alguém que vale a pena ver.
Agora ponho-me em pé.
Tenho mesmo um belo corpo.
Um corpo à medida do meu rosto.
Toco-me.
Tenho a carne firme, mas suave.
É agradável tocar-me.
É agradável que seja agradável tocar-me.
Pelo menos tenho isso para dar.
Se fosse feia e malfeita, nem isso tinha.
Torno a sentar-me.
Começo a maquilhar-me.
Cada vez fico melhor.

Brilham os meus olhos, brilha a minha boca.
A minha pele é uma seda quente e fresca.
A minha roupa realça-me as formas.
Respiro fundo, o peito ergue-se.
Fumo um cigarro.
Fico óptima a fumar um cigarro.
Ponho uns brincos.
São uns brincos compridos, que parecem nascer-me do cabelo só para me emoldurarem, em maior perfeição, a preciosa moldura do rosto.
Esta mini-saia fica-me muito bem.
Tenho as pernas compridas, desenhadas como se pertencessem a alguma escultura grega.
Tenho a cintura fina.
E tenho esta voz sensual, um pouco grave, um pouco densa.
Ainda bem que nasci assim.
Nem quero pensar no que seria a minha vida se tivesse nascido feia.
Mas seria infeliz, com certeza.
Agora não sou feliz, mas infeliz é que também não sou.
Ainda bem que o mundo é como é.
Ainda bem que tenho este espelho.
Ainda bem.