Hoje é terça-feira. Não é? Está bem, talvez não seja. Não importa. Fique aí. Agora vou-lhe mostrar um pedaço do poeta. As mãos, por exemplo: ah, sim, eis um mundo inteiro.
Na América Latina houve em tempos um poeta que escreveu uma ode às mãos. Acho que fez muito bem em que escrevê-la: as mãos são realmente importantes, servem para tudo. Nem a invenção do cinema se lhes compara.
Nas canções populares também se fala muito das mãos:
... olha bem para estas mãos...
... tenho uma mão cheia de nada...
... dá-me a tua mão meu amor...
... quem tem mão tem tudo...
... E quem não tem mão é maneta.
Bom, lirismos não, que se torna de mais. Quer dizer: duas mãos é que é bom, e pronto. Ora repare:
Repare nas articulações, nas palavras que brotam dos dedos, nos pêlos, nos calos, no asseio das unhas, e o indicador em riste, a oponência do polegar, o dedo no nariz ou na comichão, os anéis enrolados nos ossos escondidos pela pele... tudo.
Nas palmas das mãos, mulheres estranhas, estrangeiras, descobrem o significado das linhas que nos cosem e cozem a vida.
As mãos. A chatice.
Sabe o que é que o poeta da América Latina escreveu? “As mãos são igualdade, fraternidade e liberdade”. Nem mais. Era um original. Quando estavam quase a matá-lo, deram-lhe flores para ele comer, mas o que é facto é que já tinha perdido por completo o apetite. Disse apenas, provavelmente a pensar em bolsos: “as mãos são uma chatice”.
Tinham-lhas cortado, e doía-lhe.