A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA


Começam por contar histórias um ao outro.
De uma ficção nasce o amor.
De um conjunto de gestos nascem os filhos.
Tomam uma visão prática da vida.
É preciso organizar o orçamento mensal.
Os filhos querem tudo. E eles também, em velhos sonhos.
Os patrões não se ralam com nada disto. No natal, organizam festas para as famílias dos seus empregados, providenciam para que se faça a distribuição de lembranças simbólicas, coloridas, às crianças, esses anões de olhos grandes, futuros funcionários.

Ainda são jovens.
Leram em livros que a felicidade é possível. Ouviram as canções correspondentes. Viram os filmes.
Ainda há tempo.
No fim-de-semana farão limpezas na casa, ou um piquenique, ou visitarão os amigos.
Também é preciso visitar os sogros, não vão eles pensar que estão esquecidos.
Há dívidas em atraso.
Estão a poupar para um carro.
E para mais uns móveis.
E umas bugigangas: custa-lhes ver as paredes nuas.
Há sempre onde gastar o dinheiro.
O jantar é uma refeição muito leve.
Tem de se ter cuidado com os impostos.
Vai-se fazendo pela vida.


Às vezes saímos aos sábados à noite, os miúdos ficam com a avó.
Mas somos deste tempo: não vamos repetir o que vimos em casa dos nossos pais.

O que vale é que há a esperança.
A vida não é desagradável de todo, o tempo vai passando. Há dias em que se sentem capazes de tudo.
Noutros estão demasiado cansados, ele até já adormece com o jornal nas mãos.
Uma ternura maravilhosa cresce nela, ao vê-lo naquele sono, de menino quase.
Ele levanta-se a meio da noite para ir à casa-de-banho. Beija-a quando se torna a deitar, fica um pouco a ouvir-lhe a respiração.
Será que ainda têm histórias para contar?
Começam a saber muito da vida.
E aprende-se sempre mais um pouco, todos os dias.
E os filhos estão a crescer.

O nosso bairro está a crescer, está tudo a mudar.
Lembras-te de quando viemos para aqui morar?
Daqui a três meses já podemos comprar o carro. Vou ser promovido, entretanto.
A vida começa a fazer sentido.
Ainda me recordo perfeitamente do dia em que nos conhecemos.
Será que também temos estado a crescer?
No próximo ano novo, vamos mandar fora umas quantas coisas velhas: dizem que dá sorte.
E esta casa está cada vez mais cheia.